Tinha 12 anos quando comecei a me interessar por corridas de automóveis e conheci a Fórmula 1 - nessa época, meados da década de 60, desconhecida no Brasil.
Ao recordar sinto ainda a ansiedade com que folheava a revista AutoEsporte, que trazia reportagens sobre as corridas de F1. Como não sabia quais corridas houvera no mês anterior e muito menos seu resultado, lia as matérias como quem assiste ao vivo pela TV e torcia por meu ídolo Jim Clark.
Acalentava secretamente o sonho de um dia chegar lá, pilotar um daqueles maravilhosos carros que hoje habitam os museus. Sonhando, lia e relia as revistas apreciando as fotos, quase todas em preto e branco.
Corridas de automóveis eram apenas um sonho, mas estudei engenharia mecânica pretendendo trabalhar com automóveis. Pouco a pouco meu caminho foi-se desviando, a vida é assim.
Há alguns meses chamou-me a atenção na vitrine de uma livraria um livro grande, foto do Ayrton Senna na capa: "PILOTOS - lendas da Fórmula 1". Entrei, olhei, comprei, em casa percebi ser algo especial: histórias curtas de 72 pilotos de Fórmula 1 com fotografias de Bernard Cahier e seu filho Paul-Henri.
Bernard, falecido em 2008, acompanhou e fotografou a Fórmula 1 desde 1952 até o início dos anos 80, quando cedeu o posto ao filho.
O texto divide os pilotos em seis grupos (*) e foca nos principais traços da personalidade de cada um, informando a que atividades se dedicaram os que sobreviveram à carreira. Isso, mais do que as fotografias, é que torna o livro especial.
Pilotos que abandonaram a carreira precocemente, outros que estenderam-na até a decadência; dotados de férrea determinação para vencer ou buscando sobretudo se divertir; alguns que abraçaram atividades ligadas ao automobilismo, outros que se desligaram completamente da carreira; são fantásticas a riqueza e a complexidade do universo humano.
Há casos de pilotos que abandonaram a carreira subitamente, durante um fim de semana de corrida, no momento de alinhar para a largada ou logo após um treino.
Mas para mim o grande destaque é Jody Scheckter, sul africano campeão mundial em 1979, um "forte", atualmente com 60 anos. Abandonou o automobilismo em 1980, "emigrou para os Estados Unidos e refez fortuna produzindo um simulador para exercícios de tiro" cuja patente comprara. Depois voltou para a Inglaterra e guiou os primeiros passos dos dois filhos no automobilismo ("pai responsável, ele disse a Toby que seu destino estava em outra parte"). Iniciando sua "quarta vida", recebeu em 2008 o prêmio de Melhor Criador Orgânico da Inglaterra pela qualidade de seus porcos.
"Para viver uma outra vida é preciso matar a precedente. Quando partiu para os Estados Unidos, no começo dos anos 1980, Jody deixou tudo para trás, até a mulher. Em sua casa de Atlanta, nenhuma taça, nenhuma foto lembrava que ele um dia tinha sido campeão mundial: 'Quando cheguei lá eu me instalei num quarto mobiliado. Eu poderia ter-me instalado em um grande hotel, mas fazia questão de me colocar na disposição mental da pessoa que não tem a possibilidade de voltar atrás se seu projeto fracassar. Uma vez, em Dallas, eu tentava convencer um xerife das vantagens de meu simulador de tiro. Ele me virou as costas e me deixou lá, falando sozinho. Jamais alguém havia feito isso comigo quando era piloto de F1. Eu passei a vida na primeira classe. Da noite para o dia, eu me vi na lista de espera…' "
Scheckter diz que abandonou a F1 aos 30 anos "para ter tempo de encontrar novas paixões. Relações públicas? Não, obrigado. Eu não queria passar o resto de meus dias a dizer às pessoas: 'Vocês se lembram de mim? Sou Jody Scheckter, antigo campeão mundial'."
Quantos de nós têm essa determinação, essa força para se manter vivo e viver várias vidas no tempo de uma só, começando e recomeçando? Tem que ser um forte mesmo, pois para viver uma nova vida é necessário matar a anterior; caminho sem volta, explodir a ponte logo depois de atravessá-la.
(*) estilistas, tenazes, românticos, científicos, acrobatas e fortes
Ao ler essa narrativa, não tive como deixar de lembrar de umas prateleiras dos armários lá de casa repletas de revistas 4 Rodas e Auto Esporte, que meu irmão colecionava e folheava e refolheava na sua passagem da infância para a adolescência. A história profissional de meu irmão e também a de Scheckter me levaram a refletir sobre quantos desvios involuntários e tantos outros, que por nossa própria e exclusiva culpa, nos levam a trilhar caminhos nunca d'antes desejados. Nem todos têm a mesma sorte de se tornar (pelo menos) bem sucedidos nessas empreitadas "involuntárias" e de suportar as provações de uma carreira indesejada e suas frustrações irreparáveis. Cada um tem sua história e buscar a recompensa interior pelo seu trabalho nem sempre corresponde à compensação financeira e estabilidade profissional. A meu ver, a ordem é viver o presente (como optou por fazer Scheckter) para não ficar se alimentando de passado e lembranças. Guardar com satisfação os bons momentos vividos e as realizações alcançadas, sim. Não ao saudosismo e à eternização de feitos passados, que na verdade só devem ter e têm significado para quem os realizou.
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