terça-feira, 27 de abril de 2010

Chamem o Kafka!

Segunda-feira, dia de voltar ao trabalho após uma semana conturbada pelo caos aéreo e temperada pelo feriadão. Acordo cedo, sirvo um café e dou uma olhada no jornal. Perplexo, pisco e releio a manchete, certo de que, sonolento, li errado. Mas não, continua lá: "Governo planeja soltar 20% dos presos do país".

Não há tempo para ler a matéria agora, vou tomar banho e me arrumar ainda pensando a respeito. À noite, quando chego em casa, logo que posso leio a reportagem.

Sem pretender analisar em profundidade o assunto, pois sequer tenho informação para tanto, comento alguns pontos que despertaram minha atenção.

Após "longos debates" em Congresso da ONU sobre Prevenção ao Crime e Justiça Crminal, o Departamento Penitenciário Nacional (Depen) decidiu elaborar um projeto de "monitoramento eletrônico que pode resultar na soltura de cerca de 80 mil presos, quase um quinto da população carcerária brasileira". Segundo entendi, os criminosos de baixa periculosidade usariam uma tornozeleira eletrônica (ou algo similar) que permitiria saber sua localização. Deve ser parecido com rastreador de automóvel. Para o Depen, não há investimento em ampliação da estrutura prisional que dê conta da demanda.

Fico sabendo também que o número de presos passou de 148 mil em 1995 para 473 mil em 2009. Ou seja, triplicou. No mesmo período, o número de presos nos Estados Unidos passou de 1,2 milhão para 2,5 milhões. Como tem bandido lá! O Ancelmo Góis diria que deve ser horrível viver em um país assim.

Leio que "alguns governos" (municipais e estaduais) mantêm parados desde 2004 R$ 806 milhões destinados à construção de presídios. Segundo o jornal explica, "a verba não teve utilidade prática por falta de projetos adequados, por disputas políticas ou por pendências judiciais". E na próxima semana serão liberados mais R$ 470 milhões. O problema não era falta de dinheiro para a construção de presídios? Começo a me sentir como Eremildo, o personagem idiota de Elio Gaspari.

Ao ler que os criminosos de colarinho branco não seriam beneficiados pelo monitoramento eletrônico, não contenho um sorriso irônico. E eles são presos? Aqui? Ouço a voz do saudoso Bussunda: fala sério!

Tenho convicção de que a criminalidade é evitada com educação e criação de oportunidades. Impossível não lembrar a controvertida questão levantada por Steven Levitt e Stephen Dubner no livro Freakonomics (boa leitura, por sinal): qual a verdadeira causa da queda nos índices de criminalidade em NY, a política de tolerância zero do prefeito Rudolph Giuliani ou a redução da taxa de natalidade entre os mais pobres devida à legalização do aborto? (não quero abrir aqui uma discussão sobre aborto; o ponto é que a redução da natalidade entre os mais pobres reduziu a quantidade de pessoas sem acesso a educação e a oportunidades de emprego, que potencialmente viriam a se tornar fora-da-lei).

Voltando à nossa realidade, o jornal cita que em dez anos o percentual de presos envolvidos com o comércio de drogas passou de 9% para 22%. Quantos destes não se tornaram traficantes por falta de alternativa?

Parece que seguimos na direção oposta. Pouco tem sido feito por uma educação pública de qualidade; observa-se, ao contrário, ênfase em programas assistencialistas do tipo bolsa-isto, bolsa-aquilo. Ouvi inúmeros relatos de que pessoas recusam trabalho para continuar recebendo o auxílio do governo. Lei do menor esforço, mal aplicada por quem não teve oportunidade de estudar.

Conheço de perto pessoas que, determinadas a mudar sua situação, buscaram condições para estudar e romperam a barreira sócio-econômica. Infelizmente não são a maioria.

Também sei que as prisões são verdadeiras escolas de criminosos, portanto é razoável buscar penas alternativas para os condenados por crimes menos graves. E o prazo entre detenção e julgamento tem que ser reduzido, evitando que grande quantidade de pessoas fiquem presas por longo tempo sem terem sido julgadas.

Nos últimos vinte meses o Conselho Nacional de Justiça examinou 118 mil casos de pessoas presas. Foram libertadas 35 mil, das quais 21 mil estavam presas indevidamente - já haviam cumprido a pena ou nem tinham sido julgadas e estavam presas há mais tempo do que o permitido pela lei.

Mas não fiquei convencido de que o monitoramento eletrônico esteja sendo proposto por falta de recursos para construção de presídios. E duvido que seja efetivo no Brasil em que vivemos. Infelizmente.

Um comentário:

  1. Lamentável..tanta coisa errada. Já que não se tem a verba para construção de presídios,então vamos soltar os presos, cuma??? E nós é que pagamos impostos..
    Um dia uma vereadora fazendo campanha em Copacabana, abordou uma senhora dizendo que dava 5 motivos para que votassem nela, e que ela tinha colocado cerca isolando os mendigos da praça e das demais pessoas que circulavam ali diariamente. A senhora se vira e fala: ´´eu dou 1 motivo para não votar em você! Vai fazer o mesmo que a maioria faz e ainda por cima, voce isolou e de nada adiantou, pois eles vem pra cima de quem está andando na calçada, no ponto de ônibus...``
    O problema do nosso país é que não resolvem o que tem que resolver, desfazem um buraco para tampar o outro e assim fica esse ciclo de sem vergonhice, falta de caráter..
    Dão muitos brindes aos mais necessitados,mas esquecem que muitos se acomodam,infelizmente e ainda procriam sem limites...

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